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Edu Ramires, o primeiro brasileiro Campeão Mundial de MTB

21 março, 2024

Hoje comandando a Squadra Oggi, experiente atleta compartilha sua experiência e aprendizados ao vencer o Campeonato Mundial de MTB em 1989

Atualmente representado por grandes nomes como Raiza Goulão e José Gabriel, atletas da Squadra Oggi e dois dos favoritos para correr pelo Brasil nos Jogos Olímpicos da França, o mountain biking nacional nunca foi tão competitivo no cenário mundial. 

Primeiro campeão brasileiro de MTB 1989

Mas, o que nem todos sabem é que, se hoje nosso país é uma das principais forças do esporte no continente, é por que no passado, atletas como Eduardo Ramires botaram a cara no vento, conquistando as vitórias que abriram as portas para as gerações que se seguiram, ajudando a trazer o MTB para o Brasil ainda na década de 1980. 

Para quem não era nascido na época, o mountain biking se transformou em uma verdadeira febre na década seguinte, 1990, capitaneado por grandes nomes como Edu Ramires, Jaqueline Mourão, Marcio Ravelli, Abraão Azevedo, Caio Salerno e tantos outros.

Das pistas de BMX ao topo do mundo do MTB

Nascido em 15 de novembro de 1963, Edu Ramires é uma daquelas pessoas que tem a bike correndo nas veias. Isso porque, ainda na infância, o atual Team Manager da Squadra Oggi teve seu primeiro contato com a magrela – a bike em questão, por um acaso, havia sido um presente de Natal para sua irmã. 

Aos 11 anos de idade, o piloto notou que tinha “uma certa afinidade” com a brincadeira e, depois de detonar completamente a bicicleta de sua irmã, embarcou na onda do BMX, que tomou o mundo na década de 1970. Com a febre das aro 20, os fabricantes de bicicleta passaram a investir pesado no esporte, não só apoiando atletas, mas também construindo pistas e fazendo apresentações em várias cidades do Brasil.

Sempre acreditando no poder do treinamento, Edu buscou as melhores fontes de informação, que na época eram as revistas norte-americanas de BMX, para manter sua evolução no esporte. Assim, ele conquistou títulos importantes como o de Campeão Paulista, da Copa Brasil e alguns Campeonatos Brasileiros.

Em 1985, Edu partiu para os Estados Unidos para correr de BMX e, depois de conquistar alguns bons resultados na terra do Tio San, o atleta sentiu a dificuldade financeira e foi obrigado a parar com o esporte para trabalhar – porém, apenas alguns anos depois, quando Edu descobriu o MTB, tudo mudou de figura: 

“Meu primeiro contato com o Mountain Bike foi em meados dos anos 1987, quando já estava morando nos Estados Unidos. Bem próximo de casa, havia uma loja de bicicletas. Procurei me informar e, por coincidência, o gerente da loja morava no mesmo prédio e me via frequentemente de BMX”, contou Edu.

“Acabei criando amizade com o pessoal da loja e consegui comprar minha primeira MTB. Ela era uma Peugeot Prestige Express, que tinha uma geometria baixa, semelhante à das BMX. Isso aconteceu no início do MTB, quando já existiam as famosas bicicletas de Gary Fischer e Tom Richey, dois dos pioneiros dessa modalidade no mundo”, complementou. 

O início nas competições de MTB

Morando nos Estados Unidos e andando com frequência de bicicleta, era apenas uma questão de tempo para que um atleta talentoso como Eduardo Ramires entrasse em suas primeiras corridas de MTB, fato que aconteceu ainda em 1988.

“O pessoal da loja próxima de casa, onde comprei minha MTB, organizava um pedal aos domingos. Comecei a frequentar esses passeios e, graças à técnica que adquiri no BMX, chamei a atenção da turma. Eles me incentivaram a começar a competir. Logo, acertamos a participação em uma competição local em 1988, no campeonato de Big Bear Lake”, afirmou Edu. 

“A experiência foi surreal, pois quando chegamos lá, ainda havia vestígios de neve acumulada. Eu mesmo nunca tinha visto neve na vida antes, e foi uma surpresa incrível. A prova era uma maratona de 45 km, e confesso que quase morri de desgaste. Vindo do BMX, uma modalidade explosiva, eu ainda não tinha a resistência necessária para esse tipo de desafio, mas mesmo assim consegui completar a prova”, relembrou Edu. 

Depois de participar de algumas provas locais, o atleta ficou sabendo da existência do Campeonato Mundial de MTB, que na época ainda não era homologado pela UCI, mas já contava com a participação de estrangeiros e grandes nomes do esporte. O evento teve lugar em 1988 em Mammoth Lake, na Califórnia, e foi nesse momento que Edu pôde vislumbrar o que significava alta performance. 

Na prova, seu desempenho foi bastante satisfatório, o que acendeu a luz da necessidade de buscar uma estrutura mais sólida e acompanhamento adequado para alcançar melhores resultados.

“Retornei ao Brasil ao final de 88 e voltei a fazer contato com o meu antigo patrocinador no BMX. Expliquei um pouco sobre essa nova modalidade e mencionei que, para me desenvolver melhor, precisaria de suporte. Foi esse meu patrocinador que me apresentou ao José Rubens D’Elia, pesquisador da USP que já realizava um trabalho diferenciado com o ciclismo de estrada, inclusive com participação nas Olimpíadas”, revelou Edu. 

Preparação, vitória e lições do Mundial

Ontem, hoje ou amanhã, vencer um campeonato mundial de qualquer modalidade sempre é um desafio enorme, que costuma envolver não só o talento e a dedicação de um atleta, mas também o trabalho de um grupo de profissionais dedicados, das mais diversas formações, e este foi um dos maiores segredos da preparação de Eduardo Ramires para o Campeonato Mundial de MTB de 1989, competição que seria realizada em Mammoth Mountain, na Califórnia, onde ele correria na categoria de acesso à Elite.  

“Depois de algumas reuniões para descrever a dinâmica de performance desta nova modalidade, o José Rubens D’Elia idealizou um projeto voluntário com vários profissionais, como: nutricionista, preparador físico/musculação, yoga, informática, junto ao staff de campo para fazer o acompanhamento em alguns momentos de treinamentos, como por exemplo, no Velódromo”, contou Edu.  

“Sim, fizemos muitos treinos de velódromo na USP, que para mim foi uma das melhores experiências na preparação, e também os simulados de escaladas no Pico do Jaraguá. Tínhamos um controle rígido para a época: fazia anotações do meu batimento cardíaco quando acordava, anotava toda a alimentação feita no café da manhã, durante o treino, almoço, lanche da tarde e jantar. Isso tudo era passado para a pessoa de informática para planilhar todas as informações para análise posterior”, revelou.  

“Na yoga, aprendi muito o trabalho respiratório que ajudou muito nas competições em altas montanhas, onde o ar é mais rarefeito. Pouco a pouco, meu corpo foi respondendo de forma satisfatória”, complementou.

Para fechar esta receita, Edu partiu para o mundial com uma boa antecedência, o que permitiu que o atleta participasse de alguns eventos preparatórios, para ganhar ritmo de competição, sendo uma prova na Califórnia e outra no Colorado – na ocasião, ele venceu a primeira prova e ficou em segundo lugar na outra. 

Com a preparação em dia, Edu partiu para o Campeonato Mundial com força total e, depois de participar de três competições diferentes, sagrou-se vencedor geral naquele ano, levando de quebra o primeiro lugar em uma das competições.

“Graças ao trabalho multidisciplinar desenvolvido por José Rubens D’Elia, conseguimos o melhor resultado possível, que foi o título mundial, ainda que na categoria de acesso à Elite. O detalhe deste mundial era a possibilidade de participação em três modalidades diferentes: Uphill (escalada de montanha), onde conquistei o título, depois o XCO, onde fiquei em 5º lugar, e por fim o DH, onde não pontuei. Tinha o título individual e o título geral na somatória de pontos. Conquistei o título do Uphill e, por uma diferença de 1 ponto, conquistei também a Geral”, explicou Edu, revelando o que ficou de aprendizado de toda esta experiência. 

“Bom, realmente foi todo um aprendizado entender o que realmente é alta performance com acompanhamento de planilhas de treinos, alimentação, o trabalho de fortalecimento muscular, o controle respiratório e o próprio psicológico. Mas acredito que, acima de tudo, foi entender como funciona o seu corpo, a percepção do conjunto. Pois na época não tinha todos esses recursos de captação de dados que existem hoje, então o entendimento e a percepção de como o corpo se comporta mediante variações para mim foi o maior aprendizado que levo até hoje. E comento com os atletas da atualidade que estão muito acostumados a somente ler números e esquecem de apurar os sentidos e percepções do corpo”, finalizou.

Com toda esta experiência, Eduardo Ramires é motivo de muito orgulho para todos os amantes do MTB no Brasil. Além disso, não é à toa que hoje ele gerencia uma das equipes mais importantes do país, com dois atletas prontos para levar a bandeira nacional para os próximos jogos olímpicos. 

Por isso, fica aqui nossa gratidão para esta verdadeira lenda do esporte.

Valeu, Edu!  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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